Jiri Trnka é Diretor de Inovação do Grupo Superbid
Inovação é gestão. Para nós que queremos criar uma cultura de inovação duradoura e consistente em nossas empresas, entender esse princípio é vital para o sucesso.
Pode haver muita criação de mitos em torno da inovação nos dias de hoje, mas inovação não se faz trabalhando em ideias aleatórias para ver o que adere.
As empresas precisam ter um ponto de vista claro sobre a direção para a qual o mundo está indo e sobre as principais tendências que vão afetar seus negócios, desenvolvendo uma estratégia clara de inovação que informe os tipos de novas ideias nas quais investirão para o futuro.
Sempre há mais ideias do que recursos para as executar, por isso a priorização é absolutamente necessária. Também as empresas precisam ficar muito antenadas com o ecossistema ao seu redor e, principalmente, ter clara a noção de concorrentes ocultos ou não óbvios. Um concorrente que não óbvio é um concorrente que surge repentinamente, proveniente de uma direção nunca imaginada, normalmente causada por uma disrupção tecnológica.
Por exemplo: o CEO de uma fábrica de lâmpadas incandescentes, precisava se preocupar com otimização dos processos, melhoria da qualidade, redução de custos, fatia de mercado e produtores de lâmpadas incandescentes concorrentes. Então, repentinamente, surgem as lâmpadas de LED e acabam de vez com toda a indústria das lâmpadas incandescentes!
Além de estratégia de inovação, as empresas também precisam de um processo claro para gerenciar novas ideias. Muitas vezes as empresas sequer usam metodologia científica.
As companhias tratam cada ideia como um projeto único, cujas chances de sobrevivência dependem do conhecimento político ou da intuição do intraempreendedor. Assim, as equipes que trabalham em diferentes projetos de inovação trabalham de maneiras diferentes.
Não há consenso nem consistência em torno das melhores práticas de inovação. Isto torna muito difícil para a liderança rastrear e medir o progresso.
Em um ambiente tão caótico, o sucesso da inovação é imprevisível. O que acaba se tornando previsível é o fracasso e o desperdício. No entanto, o ritmo da mudança de hoje exige que as empresas gerenciem a inovação de maneira mais deliberada.
Deve ficar claro para todos os funcionários qual é o processo da empresa para avaliar ideias, testar ideias e levá-las à escala. É por isso que acredito que toda empresa precisa desenvolver um processo padronizado que possa ser repetido para transformar novas ideias em modelos de negócios lucrativos e de quebra poder rastrear e medir o progresso.
Processos são chatos!
No momento em que os inovadores ouvem a palavra “processo” ou “contrato”, costumam revirar os olhos. Processo como um conceito de gestão tem uma má reputação. Processos rígidos e legados já foram acusados, muitas vezes com razão, de sufocar a inovação.
De fato, quando gerenciam a inovação usando os mesmos processos que usam para gerenciar os seus principais produtos as empresas tendem a sufocar a criatividade. Por exemplo, como é possível redigir um contrato que não penalize a falha? Irei detalhar, um pouco mais abaixo, a importância da experimentação em situações de incerteza o que traz, como consequência, uma grande probabilidade de falha.
Mas isso não é culpa do processo como um conceito de gerenciamento. É importante distinguir entre processo bom e processo ruim. Um processo é tão bom quanto as suposições sobre negócios que informaram seu design e quão bem essas suposições são mapeadas para a realidade.
Os processos tradicionais de gestão são baseados em suposições, errôneas, sobre um mundo completamente estável. É por isso que a maioria dos processos não atende às mudanças (por exemplo: orçamento anual, contratos rígidos, planejamento cascata, GANTT).
Essas suposições sobre o mundo costumam ser implicitamente mantidas dentro da empresa, o que dificulta ou até impossibilita a melhoria do processo caso o mesmo se torne problemático. Nessas situações, o processo rígido é um gargalo que tende a uma tomada de decisão estúpida.
Quando se trata de gerenciar a inovação, essas tradicionais premissas precisam ser desafiadas, pois o mundo não é estável, as mudanças são inevitáveis e alheias a nossa vontade. O desafio não é se livrar do processo, mas projetar processos melhores e mais responsivos. Isso também não quer dizer que, se projetarmos um bom processo de inovação, ele deve ser seguido sempre e cegamente. De fato, um bom processo de inovação deve ser diferente de outros processos e deve ser projetado para conseguir evoluir conforme as aprendizagens
Princípios para criar um bom processo de inovação
Existem vários processos de inovação que foram projetados e publicados. Os exemplos incluem o The Startup Owner’s Manual de Steve Blank, o Running Lean de Ash Maurya e o The Startup Way de Eric Ries. Todos esses são ótimos processos para gerenciar a inovação. No entanto, muitas vezes é recomendável que as empresas criem processos personalizados que sejam mais apropriados ao seu contexto e ao seu momento. Mas antes de começar a fazer isso, precisamos entender os princípios subjacentes a um bom processo de inovação para direcionar o design do processo.
1) A inicialização como um método:
As startups não são apenas equipes do Vale do Silício em jeans e camisetas usando notas adesivas na parede e mesa de sinuca na choperia. Startups não são apenas os artefatos que elas usam. Em vez disso, as startups são instituições para desenvolver novos produtos e serviços em situações de extrema incerteza (Eric Ries).
Eles usam um conjunto de ferramentas e práticas que qualquer organização pode adotar. A incerteza é a principal característica definidora da inovação. Como tal, a gestão da incerteza deve sustentar o processo de inovação que projetamos. A única certeza é a dúvida, a incerteza. Grandes organizações divulgam a ideia de inovação – mas quase sempre lutam contra a realidade.
A inovação é toda sobre tentar coisas, muitas das quais não funcionam. Isso significa prototipagem, testes, aprendizado e colocar coisas inacabadas ou que não são perfeitas para serem usadas no mundo real.
Enquanto muitas empresas dizem que querem experimentar e falhar rápido – elas invariavelmente querem substituir a palavra “falhar”, por “ter sucesso” e “imperfeito” por “perfeito”, reforçando, erroneamente, a ideia de que falhar não é uma opção. Desta forma são colocados limites estreitos na ousadia, na pesquisa e na abertura de novos caminhos inexplorados e consequentemente incertos.
2) Pesquisando Versus Executando:
A melhor maneira de gerenciar a incerteza é pesquisar, em vez de executar. Tradicionalmente, os processos de gestão direcionam as equipes para a execução de suas ideias. A razão pela qual a inovação é definida pela incerteza é que a maioria dos projetos de inovação começa com um monte de suposições não testadas sobre clientes e modelos de negócios.
Essas premissas não testadas representam riscos potenciais que podem inviabilizar o projeto. Como tal, o processo de inovação não deve direcionar as equipes para executar; em vez disso, as equipes devem ser incentivadas a pesquisar junto dos clientes e usuários finais dos produtos (base do design thinking). Porém tem que estar muito atento, frequentemente as partes interessadas (stakeholders) não podem ser usadas para co-criar uma solução inovadora cujo funcionamento ainda não está comprovado por causa da sua resistência à mudança.
Os stakeholders têm funções e habilidades específicas – eles entendem essas habilidades, estabeleceram maneiras de medir o sucesso do seu trabalho e sucesso e não veem a necessidade de mudança já que a mudança vai representar mas trabalho no primeiro momento. Para eles, descobrir, cometer erros e falhar ao longo do caminho é o que passaram a carreira toda tentando evitar. A experimentação é uma mudança realmente significativa na mentalidade. Use a empatia para entender essa situação e como ela faz as pessoas se sentirem!
3) Matéria de modelos de negócios:
Se as equipes são incentivadas a pesquisar, o que elas estão procurando? Para começar, a inovação não é simplesmente seguir a moda, ter ideias criativas e legais. A inovação é a combinação de novas ideias criativas com modelos de negócios lucrativos.
Mesmo que a TI ocupe uma posição de destaque na inovação, a inovação não se limita apenas a TI, a inovação abrange novos negócios, novos produtos, novos processos ou até novas formas de marketing. Sem um bom modelo de negócios, até mesmo as ideias mais legais vão falhar. Um ótimo modelo de negócios envolve descobrir, de forma rápida, os produtos desejados pelos clientes e uma maneira de fornecer esse valor aos clientes de maneira lucrativa. Uma ferramenta muito interessante que pode ser usada nesta fase é o Business Model Canvas do Alex Osterwalder.
Antes de ter conseguido a magia de ter descoberto o produto desejado pelo cliente e para o qual ele está disposto a pagar não devemos gastar muitos recursos no seu desenvolvimento e nem lançar nossos produtos em escala. Umas das armadilhas é que a maioria das organizações e consultorias falam sobre transformação digital como se fosse 90% tecnológica e 10% humana. Eles imaginam a transformação digital como uma coleção de ferramentas desenvolvidas para lhes dar novas capacidades, crescimento exponencial e outros modismos. No entanto, para que essas ferramentas funcionem, é essencial levar em conta e desenvolver o lado humano e promover uma profunda mudança cultural.
4) Coisa certa, hora certa:
Para evitar o dimensionamento prematuro, um bom processo de inovação deve ajudar as equipes de inovação a navegar pela incerteza fazendo as coisas certas no momento certo. Há uma hierarquia nas respostas que precisam ser fornecidas para as principais questões de inovação.
Por exemplo: antes de criar uma solução, é importante primeiro entender as necessidades dos clientes. Antes de gastar dinheiro em uma enorme campanha de marketing, é preciso garantir que foram encontrados os canais certos. Fazer as coisas certas no momento certo é fundamental para a o sucesso do novo produto e o processo de inovação deve apoiar isso.
5) Questão certa, hora certa:
A maioria dos bons processos de gerenciamento é projetada como uma ferramenta para os gerentes fazerem perguntas. Estes processos configuram cenários que ajudam na tomada de decisões. Um processo mal projetado, quando seguido rigidamente, pode levar os gerentes a fazer as perguntas erradas na hora errada.
Por exemplo, um processo que exige que as equipes forneçam estimativas de ROI antes de iniciar seu trabalho, obriga essa equipe a consultar uma bola de cristal e adivinhar o sucesso futuro.
Em vez de exigir longos casos de negócios cheios de suposições, um bom processo de inovação ajuda os gerentes a entenderem onde suas equipes estão em sua jornada de inovação e a tomar decisões sobre o que fazer em seguida.
6) Decisões baseadas em evidências:
Em vez de adivinhar, as equipes de inovação devem tomar decisões com base em evidências e não adianta testar as suposições se falharmos em usar o conhecimento adquirido com aprendizagens para a tomada de decisões.
Se nós estamos apenas executando experimentos como pretexto para inovação, o nosso processo acabará por não ser diferente dos métodos tradicionais de cascata e o resultado não será nada inovador.
Tomar decisões baseadas em evidências significa que devemos ir onde quer que as evidências nos levem e não onde nós queremos ou achamos que devemos ir. Um bom processo deve permitir que as equipes mudem de direção com base nos aprendizados e o projeto poderá ser parado se necessário, sem consequências negativas ou represálias. Se isso não for possível, então todo o processo é simplesmente um circo.
A jornada da inovação
Os seis princípios acima podem servir de base para criar um processo de inovação claro e flexível. O processo deve reconhecer que cada projetos de inovação é único, mas, ao mesmo tempo, há um conjunto de regras fundamentais que toda equipe deverá atender.
As empresas ainda são dependentes de um conceito básico: ou seja, é necessário vender suas coisas por um preço mais alto do que elas custam!
Essa ideia básica exige que todo projeto de inovação responda a tipos semelhantes de perguntas (mas talvez de maneiras diferentes, dependendo do contexto, produto ou serviço). Quem são os clientes? Que problema estamos resolvendo para eles? Podemos criar uma solução? Qual é o custo de criar e entregar a solução? Os clientes estão dispostos a pagar? Quanto eles estão dispostos a pagar? Encontramos o preço certo para a rentabilidade? Como chegaremos aos clientes para dimensionar nosso produto?
As questões acima (e muitas outras) são partes do quebra-cabeça na equação do modelo de negócios e nosso processo de inovação deve nos ajudar a respondê-las.
Em uma base regular, também devemos rever nosso processo em relação aos princípios acima e ver se ele está nos ajudando a ter sucesso. Não são apenas nossos produtos que precisam de melhoria contínua. Também devemos melhorar continuamente os processos que usamos para criá-los.